Com o nascimento de uma mãe/pai nasce também um mar de dúvidas e questões. Possivelmente, há pessoas que passam mais intensivamente por este processo do que outras, mas eu passei a questionar e analisar tudo desde que sou mãe.
Uma das temáticas que me deparei foi a teoria do movimento livre. Desenvolvido por Emmi Pikler, uma pediatra húngara que desenvolveu um método de criação revolucionário no Instituto Lóczy, em Budapeste, na Hungria. Este método, muito resumidamente, pressupõe que a criança desenvolve-se espontaneamente e atinge o seu potencial de desenvolvimento motor máximo se houver duas condições: um vínculo afetivo seguro e sólido com o cuidador e movimento livre, num ambiente seguro e preparado. Cada uma ao seu ritmo, no seu tempo, mas Emmi Pikler observou e relatou que todas as crianças chegavam lá.
Por movimento livre entende-se que a criança só deve ser posta nas posições que adquire sozinha. Isto significa que deve ser pousada no chão, de costas para baixo e só deverá ser sentada, por exemplo, quando já senta por si própria. O movimento livre estende-se à roupa, que deve possibilitar todos os movimentos e não causar atritos ou escorregar. Um aspeto fundamental são as extremidades: pés e mãos devem estar sempre descobertos, pois só assim a criança conseguirá perceber como o ambiente e o seu corpo funcionam e explorar todos os movimentos. À medida que isto acontece, a criança vai ganhando confiança nos seus movimentos e criando as conexões neuronais necessárias para potenciar o desenvolvimento motor.
Vivemos numa zona com temperaturas amenas (Portugal), em que a maior parte do ano não chove. Porém, para a maioria das pessoas, é impensável uma criança sair descalça de casa.
Até em casa, muitas vezes as crianças estão de pantufas ou de meias (esta última opção, se forem antiderrapantes, é a melhor!). Isto prende-se com dois fatores: por um lado, a nossa história, em que, no tempo dos nossos avós e da ditadura, andar descalço era sinónimo de pobreza; e por outro, a crença infundada de que estar descalço causa doenças como constipações e infeções respiratórias.
Porém, falando agora em termos fisiológicos daquilo que é mais natural para o Ser Humano, nós somos animais e a natureza é perfeita naquilo que faz e não ia deixar o desenvolvimento motor humano depender da invenção dos sapatos, que na verdade, é bastante recente na nossa história enquanto espécie. Trocando por miúdos, o nosso pé, a nossa postura, o andar, o correr, o trepar, o saltar desenvolve-se mais rapidamente e de forma mais consolidada se estivermos a maior parte do tempo descalços.
Ao observar os meus filhos nas suas primeiras tentativas a andar, a correr e a trepar muros ou árvores, fiquei fascinada como uma coisa tão básica e intuitiva faz tanto sentido. E mais, está literalmente acessível a toda a gente. Andar descalço, fortalece a musculatura do pé, desenvolve os ossos que estão em formação, ensina o cérebro a comandar os movimentos certos e, acima de tudo, cria crianças seguras e confiantes. Devemos sempre incentivar as crianças a fazerem os movimentos por elas próprias e o nosso papel deve ser mais de observação e fornecimento de um ambiente seguro e roupa/calçado adequado.
Emmi Pikler proferiu “Tentar ensinar a uma criança uma coisa que ela pode aprender por ela mesma, não é apenas inútil. É prejudicial.”
Porém, a partir do momento em que a criança começa a andar, e porque nem todos os espaços são seguros e todo o clima favorável, temos de a calçar.
Surge então recentemente um tipo de calçado chamado “Barefoot” que significa “Descalço” em inglês.
Como o nome indica, a ideia é a pessoa (criança ou adulto) ter a sensação de estar descalça, sentindo o relevo do chão e tendo todos os movimentos do pé ativos. Para ter esta designação, o calçado deve ter sola fina e dura, ser maleável em toda a sua extensão, sem reforços do calcanhar ou tornozelo e ter um diâmetro largo, de forma a que os dedos não fiquem todos amontoados.
Existem inúmeras marcas no mercado, lojas físicas e online e plataformas de artigos usados (que muitas vezes foram pouco ou nada usados) e por isso basta procurar. O tamanho do sapato depende de marca para marca. Normalmente todas estas marcas tem tabelas de tamanhos em que, através da medição do comprimento e largura do pé, chegamos rapidamente ao número certo.
As quedas mais aparatosas que os meus filhos tiveram foram por causa de calçado ou roupa desadequada, o que, para mim, foi uma grande lição. Aprendi que devemos interferir o menos possível, o que neste caso significa, usar roupa e sapatos que não interfiram com os movimentos naturais do corpo.
Por isso, os meus critérios quando escolho roupa ou sapatos para os meus filhos mudaram bastante. Procuro peças que promovam autonomia (que sejam fáceis de vestir e despir sozinhos), com tecidos elásticos, suaves e confortáveis. No que toca a sapatos, é muito importante que sejam fáceis de calçar e descalçar sozinhos, pois, mesmo este passo desenvolve a autonomia e confiança da criança. Só em último lugar é que vem a estética.
A criança desenvolve muito mais a autoestima e confiança quando se sente autónoma, capaz e livre do que apenas por lhe dizerem que está bonita. Na verdade, esta é uma mensagem bem mais profunda do que parece. Ao promovermos as primeiras características estamos a transmitir à criança que é muito mais importante e valioso aquilo que ela é e que é capaz do que aquilo que ela parece, veste ou transmite à superfície.

Escrito por
Carolina W. Pinheiro
Mãe de 2 e apaixonada pela infância e toda a sua influência na nossa personalidade e trajeto de vida. Em eterna busca daquilo que a preenche e intriga, já trabalhou como farmacêutica, cozinheira e mais recentemente em vias de se tornar ama.