Entrevista com Luana Melo – enfermeira obstétrica
Existe muita polêmica em torno do que significa de fato o conceito de “parto humanizado”. Com a violência obstétrica sendo vista cada vez mais como natural e com o protagonismo feminino também sendo deixado de lado para que tenham intervenções médicas desnecessárias, o nome humanizado gera muitas dúvidas.
Para entendermos um pouco mais sobre o conceito: parto humanizado, conversamos com Luana Melo, enfermeira especializada em ginecologia e obstetrícia, sócia da Clínica Vitta e enfermeira do grupo Nascido em Casa (equipe de parto domiciliar planejado), ambos no Estado de Sergipe, Brasil.
Neste post você vai ver
- Parto humanizado x parto não humanizado;
- Humanizaçao na cesárea;
- Protagonismo feminino;
- Plano de parto;
- Enfermeira obstétrica e doula no parto humanizado
Parto humanizado x parto não humanizado
O termo humanização não se refere à via de parto (vaginal ou cesárea), mas ao tipo de assistência e respeito que a mulher recebe.
“A diferença do parto humanizado para o não humanizado é que no humanizado poderão acontecer intercorrências que podem ser resolvidas de maneira positiva”, esclarece Luana.
“As pessoas acham que parto humanizado é aquele parto que é em casa, mas não, nem sempre. A mulher pode ter um parto em casa, mas que seja cheio de violência obstétrica, como também pode ter um parto em um hospital, mas que de fato ela seja a protagonista daquele momento, onde as escolhas dela sejam respeitadas. O protagonismo do parto da mulher traz isso, que as escolhas dela sejam informadas no plano de parto e, principalmente, respeitadas. Nem sempre um parto na banheira foi um parto humanizado“, explica.
Ainda de acordo com Luana, algumas medidas não farmacológicas para alívio da dor são feitas, como: penumbra, água morna, musicoterapia, aromaterapia, movimentação no trabalho de parto e sugestão das melhores posições, massagens relaxantes, uso do rebozo (que é um xale utilizado para promover relaxamento e conforto da gestante).
Além disso, fazemos a ausculta fetal e, através do comportamento da gestante vamos acompanhando o passar das fases desse trabalho de parto”, conclui Luana.
Humanizaçao na cesárea
A principal humanização, conforme explica Luana, é o respeito pela escolha de cada mulher. No entanto, se ela optar pelo parto normal e houver alguma intercorrência no caminho, ela deve ser avisada de que os planos podem mudar para um parto cesáreo, para preservar a segurança da mãe e do bebê. “De fato, algumas mulheres quando precisam de uma cesárea intraparto, se sentem realmente frustradas, neste caso, cabe ao acompanhante e a equipe acalentar e explicar que às vezes se faz necessário a cirurgia. E, quando bem indicada, salva vidas” complementa Luana.
Alguns exemplos de atitudes humanizadas numa cesárea, podem ser: garantir o acompanhante na sala de parto, preservar o ambiente e o momento do nascimento, evitando ruídos altos, conversas paralelas, permitir o contato do bebê com a mãe assim que ele nasce para que, ao sair da vida uterina, ele possa sentir na pele que está com sua mãe e sentir esse vínculo. Caso ela deseje, possibilitar a entrada da doula também na cesárea, garantir que aconteça a Golden Hour e a amamentação na primeira meia hora de vida” conclui Luana.
A humanização, portanto, estará na garantia do protagonismo da mulher, numa indicação real de cesárea baseada em evidências científicas e no olhar integrativo e respeitoso para o parto, independentemente da via.
Protagonismo feminino
No parto humanizado, o foco é o protagonismo dessa mulher e desse bebê que está a caminho. Essa é a ideia do parto humanizado: respeitar e dar condições seguras para mãe e bebê no momento do parto. “E para isso acontecer, essa mulher precisa estar munida de informações, essas informações são necessárias para que o processo seja mais leve, mais bem construído” disse Luana.
“A mulher escolhe o jeito que ela quer parir, a forma que ela quer estar em cada fase do parto. Se quer um banho quente, se quer ficar de cócoras, se prefere uma massagem e, caso escolha uma anestesia, o tipo de anestesia”, concluiu.
Plano de parto
O Plano de Parto, é um documento elaborado pela gestante, juntamente com seu parceiro ou parceira e revisado pelo obstetra responsável pelo pré-natal. Ele é um guia para o trabalho de parto, com descrição dos desejos e das expectativas da gestante.
“No plano de parto vai constar as preferências daquela família em relação ao trabalho de parto, parto, pós-parto e cuidados com esse bebê naquele momento. Informações importantes que norteiam o trabalho da equipe. O plano de parto inclusive tem um poder jurídico. Então, ele deve ser seguido certinho e quando não puder ser seguido, essa família deverá ser comunicada e precisam autorizar qualquer procedimento.” explica Luana.
*modelo de plano de parto
Apesar de não ser um documento obrigatório, o plano de parto é uma forma de planejar melhor este momento e, aos poucos, ir se preparando para a hora do parto. A ferramenta, inclusive, é recomendada pelo Ministério da Saúde e pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
OMS e o Parto Humanizado
O parto é um processo fisiológico e natural que pode ser vivenciado sem complicações pela maioria das mulheres e bebês. E tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto o Ministério da Saúde, no Brasil, recomendam que o parto seja humanizado.
“É aconselhado pela OMS também, que a enfermeira obstétrica esteja atuante nas casas de parto, nos centros de parto natural, nas maternidades, mesmo nas intra hospitalares por que a gente tem a habilidade técnica para conduzir o parto.” diz Luana.
“A mulher pode estar no processo de um parto humanizado, não usando soro, por exemplo, quando é feito um exame de toque e rompe a bolsa da mulher sem a mulher consentir, neste momento já deixou de ser um parto humanizado. O foco do parto humanizado é o protagonismo da mulher e as escolhas da mulher baseadas nas evidências científicas que temos.” conclui.
Enfermeira obstétrica e doula no parto humanizado
Uma das características do parto humanizado é o trabalho multidisciplinar com o protagonismo da mulher. Ou seja, o conhecimento da enfermeira obstetra, doula e do médico obstetra se complementam.
“A doula não é necessariamente uma enfermeira obstétrica. A doula dá apoio emocional e sugere técnicas não medicamentosas ou exercícios para alívio da dor. A enfermeira acompanha a evolução do trabalho de parto, com avaliação dos sinais vitais maternos, dinâmica uterina, ausculta fetal.” explica Luana.
Ainda de acordo com Luana, as estatísticas mostram que sim, o acompanhamento por enfermeiras e doulas diminuem de fato o número de cesáreas e diminuem intervenções durante o trabalho de parto, como episiotomia, grandes lacerações, o tempo do trabalho de parto e do uso de ocitocina sintética.
“Durante o trabalho de parto, a doula permanece ao lado da mulher. Atuando com massagens, auxiliando na movimentação, sugerindo posições, enfim, encorajando a mãe naquele momento tão singular. Além disso, ajuda o acompanhante a se envolver e participar ativamente do momento. Também explica sobre todos os procedimentos técnicos, sendo uma “ponte” entre os futuros pais e a equipe médica. Depois do nascimento, a profissional continua apoiando a família, principalmente nos cuidados com o bebê e a amamentação.
O parto humanizado possui inúmeras vantagens!
“Os bebês nascem mais tranquilos e nascem em um ambiente de harmonia e respeito também é essencial para promover um vínculo saudável com a mãe nesse começo de vida. E a mulher, tendo todo conforto e apoio emocional neste momento, acaba tendo uma percepção totalmente positiva do parto. Sem o uso desnecessário de intervenções médicas, a parturiente tende a ter também uma recuperação muito mais rápida e sem complicações. Pois “um parto que decorre naturalmente sem precisar de intercorrências da equipe é um parto mais tranquilo.” confirma Luana.
Propiciar a experiência do parto humanizado a uma mulher, é garantir o respeito aos seus diversos aspectos culturais, individuais, psíquicos e emocionais. É acreditar na fisiologia da gestação e do parto, devolvendo o protagonismo e poder a mulher.
Artigo escrito por
Flavia Oliveira
Jornalista e Relações Públicas, formada em Mediadora de Conflitos, pelo Instituto Federal de Brasília, através da Tertúlia Literária Dialógica. Mãe de dois: Mia e Andrea, vivendo em Malta e sempre com uma passagem para o próximo destino a ser descoberto.